Que o comércio internacional é vantajoso, nem discutiremos aqui. Os fatores tradicionais de incentivo à troca entre países são bem conhecidos e já foram estudados a fundo: desigualdade na distribuição geográfica de recursos naturais, diferenças na mobilidade e diversidade de técnicas produtivas, custo de fatores de produção, natureza e volume de mercado, diversificação de riscos, valor de moedas, etc.
Há séculos o homem reconheceu esses fatores, e vem efetuando trocas comerciais inter-fronteiriças. A primeira referência ao comércio exterior está na Bíblia, onde o Livro dos Reis descreve como o rei Salomão importou insumos de Tiro para a construção de seu Templo. Em uma era mais moderna, entretanto, em que as práticas capitalistas impulsionam desde evoluções tecnológicas com vistas a reaproveitamento e recuperação de recursos naturais, até disputas territoriais pelo controle de insumos, o sistema de trocas internacionais é muito mais ativo, organizado e controlado.
Uma das ferramentas de análise, controle e referência do comércio exterior vem sendo, há quase meio século, a moeda da nação mais rica do mundo – o Dólar Norte-Americano. No Brasil, assim como em vários outros países, o valor do dólar tem servido como indexador da troca internacional, que varia conforme sua flutuação. Regimes cambiais à parte, o fato é que, tradicionalmente, quanto mais alta a taxa do dólar, maior o volume de exportação, e menor o de importação – favorecendo, assim, a balança comercial.
Os últimos meses de 2002, contudo, mostraram um ambiente contrário à todas as expectativas, onde, apesar de uma alta recorde da moeda norte-americana, a exportação de produtos industrializados ficou abaixo do nível dos meses anteriores, quando o dólar estava em baixa (vide gráfico 1, ref. à amostragem de valores de exportação do setor industrial de Caxias). Os primeiros meses de 2003 também não apresentaram melhoras significantes neste ramo, e os analistas de mercado estão revisando suas projeções para os meses restantes desse ano.
Podemos ver esse fato como uma derrota absoluta do modelo, ou entendê-lo do ponto de vista dos investidores estrangeiros. O que ocasionou esse efeito dominó de expectativas e receios, culminando na queda das exportações, mesmo com a alta do dólar? Na verdade, não é diferente da queda de 1999, quando da alteração do sistema de controle cambial; de outubro de 2001, quando da queda das Torres Gêmeas; ou de maio de 2002, quando da queda da Argentina e da divulgação das pesquisas eleitorais preliminares: Medo, receio, incerteza.
As pequenas divergências de data se devem ao fato de que nada, no mercado internacional, é de uma hora para outra. As reações levam algum tempo para acontecer (umas menos, outras mais). O mercado internacional é de conquista extremamente lenta – um trabalho árduo de construção de confiança que, quando abalada, despenca rapidamente.
Assim como a festa de arromba de seu vizinho afeta seu sono, e o buraco na camada de ozônio sobre o pólo-norte afeta todo o planeta, em nossa aldeia global (parafraseando a ex-primeira dama e atual senadora Hillary Clinton), grandes fatos políticos ou macro-sócio-econômicos afetam a todos – envolvidos diretamente ou não. Os dois principais motivos para a discrepância na relação dólar/volume de exportação atual, deixando de lado as barreiras costumeiras, são facilmente discernidos do ponto de vista do importador estrangeiro como: a) receio das conseqüências provenientes do resultado da guerra no Iraque; e b) receio das conseqüências provenientes da eleição de um candidato de oposição para a presidência do Brasil.
A primeira situação promoveu instabilidade comercial em todos os níveis, provocando uma recessão internacional que teve seus efeitos sentidos desde os países que compõe o G8 até os países em desenvolvimento, como o Brasil. Os EUA, maior mercado consumidor do mundo, controla a maioria dos US$ 3 bilhões trocados diariamente em relações comerciais em todo o planeta, e como tal comanda, direta ou indiretamente, as marés do mercado internacional. Com a retirada de um tsunami de finanças do mercado por parte dos importadores americanos (temerosos dos possíveis resultados dos conflitos no Oriente Médio), e conseqüente redução na exportação de muitos países, outros importadores reduziram seus investimentos, em reação direta à diminuição de investimentos na sua economia interna, em sua maioria afetada pela recessão de guerra nos EUA. Conseqüentemente, o efeito dominó que provocou a redução da demanda dos países de primeiro mundo, principais compradores dos produtos industrializados de exportação do Brasil, afetou diretamente nossa economia interna, causando déficit na balança comercial e elevando o valor do dólar em relação à moeda nacional.
A segunda situação, apesar de mais simples em contexto, talvez seja de mais difícil compreensão em relação às exportações. Mas quando analisada do ponto de vista do cliente exterior, torna-se tão clara quanto sua imagem nacional: Devido à forte discrepância entre as filosofias governamentais do último presidente e do candidato que estava à frente das pesquisas, um clima de instabilidade pairava sobre o povo brasileiro, à espera dos resultados. Aos olhos do mundo, que não conhecem as peculiaridades e detalhes de nosso país, sua política e seus habitantes, contudo, a situação foi ainda mais complexa: os últimos anos gozaram de uma certa estabilidade política, mas com a troca de governos, a confiança externa no Brasil foi muito abalada. Como a maioria das relações comerciais internacionais almejam uma parceria de longo prazo, e haviam dúvidas exponenciais a respeito da posição política a ser adotada por nosso novo presidente e suas conseqüências à política de relações comerciais do Brasil com o resto do mundo, a importação de produtos industrializados brasileiros foi reduzida, abalando a balança comercial e desvalorizando a moeda nacional. Não obstante, porém, conforme as ações do governo Lula foram se provando mais conservadoras e embasadas do que o esperado, o valor do dólar e o volume das exportações lentamente tendem a estabilizar-se em níveis mais realistas e aceitáveis – o primeiro, contudo, mais rapidamente que o segundo.
As reuniões do Presidente Lula com os líderes dos países que compõe o G8, em Evian, França, podem apresentar conseqüências ainda mais interessantes, se surtirem o efeito esperado. A profecia tende a se realizar a médio prazo, com aumento no volume de exportação de produtos manufaturados e redução no valor de câmbio da moeda norte-americana. Resta a nós, exportadores, assim como almeja nosso Presidente, convencer o resto do mundo de que o Brasil tem mais a oferecer do que a imprensa internacional insiste em mostrar, pois nem só de propaganda se constrói uma imagem.
- Departamento de Negócios Internacionais – Consultor Marcos Manosso ↩︎