Importação: A diferença entre “comprar” e “desenvolver”

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Importação: A diferença entre “comprar” e “desenvolver”

Em mais de 25 anos de comércio exterior, atendi muitos clientes interessados em importar produtos, componentes e insumos, a fim de diminuir seus custos, inclusive para ficar mais competitivo ao exportar seus produtos. Nesse tempo todo, notei uma distinção clara entre os que estão apenas iniciando seu processo de internacionalização, e outros que já o fazem há algum tempo: a diferença de percepção entre “comprar” um produto de um fabricante estrangeiro, e “desenvolver” uma cadeia de suprimentos internacional. Sem demérito algum ao primeiro grupo, até porquê encontramos vários importadores regulares que ainda não compreendem essa distinção, estão no segundo grupo aqueles que realmente se beneficiarão da maior fatia das vantagens de internacionalizar de seus processos.

Antes de entrar nos aspectos técnicos, logísticos, aduaneiros e tributários dos diferentes modelos de negócio disponíveis a qualquer empresa buscando diminuir seus custos através da importação, é importante entender de onde vêm as vantagens comparativas que permitem tal economia. E para isso, podemos iniciar olhando para o maior exportador de produtos manufaturados do mundo: a China (até porquê é difícil falar de importação sem tocar no gigante asiático).

Dizer que os produtos chineses são baratos porquê sua qualidade é inferior, ou devido a benefícios governamentais ligados a uma manutenção artificial de aspectos econômicos e cambiais é um tanto superficial, visto que ignoram o desenvolvimento econômico, industrial, tecnológico e social dos últimos 40 anos naquele país, que afetou todo o continente, quiçá todo o mundo!

A China desenvolveu sua indústria por uma confluência de fatores comerciais e políticos, que não convém dissecar aqui (você encontra essas informações em outros artigos deste blog). Pulemos, então, para o estado atual das coisas, conforme relevantes para a discussão em curso, listando mui resumidamente as principais vantagens comparativas do “Tigre Asiático”:

  1. Taxa de juros (relativamente) baixa, permitindo ao empreendedor investir em seu negócio sem medo de se afogar em dívidas;
  2. Taxas cambiais artificialmente controladas pelo Banco Central, de forma a manter a competitividade dos produtos chineses no mercado global;
  3. Mão de obra barata, não devido a salários baixos (estão em níveis muito semelhantes aos brasileiros), mas com encargos relativamente baixos;
  4. Custo de engenharia relativamente baixo, fazendo uso de institutos governamentais de tecnologia e excelência;
  5. Incentivos fiscais para empresas que “cuidam” dos funcionários, oferecendo ensino técnico e acomodações aos migrantes do êxodo rural;
  6. Diversas zonas francas industriais, com incentivos para desenvolvimento tecnológico;
  7. Custo logístico baixíssimo, por conta da uma pletora de complexos portuários modernos, sistema de transporte diversificado com rodovias de qualidade, hidrovias bem desenvolvidas, ferrovias eficientes, aerovias ativas e clusters industriais muito bem planejados;
  8. Livre concorrência de fabricantes de produtos e prestadores de serviço à indústria;
  9. Incentivos ao investimento internacional com transferência de tecnologia;
  10. Cadeias de fornecimento bem desenvolvidas, horizontalizadas e de concorrência local (o que evita o monopólio de gigantes); 
  11. E talvez o mais importante: Economia de Escala!

Verdade seja dita, com o desenvolvimento da economia e dos mercados, também a China enfrenta os desafios de concentração demográfica, inflação, picos de demanda, aumento no custo de mão-de-obra qualificada e disponibilidade dessa. Tanto é que algumas indústrias de produção em massa já estão “fugindo” do país, à exemplo da têxtil, que encontrou refúgio em economias ainda em fase preliminar de desenvolvimento, como a Indonésia, Bangladesh e Sri-Lanka; a indústria moveleira, que migrou principalmente para o Vietnã (para quem trabalhou décadas nesse ramo, dói ouvir o país asiático ser chamado de “The New Brazil”); e a produção de grãos, que vêm investindo na Tailândia, Camboja e Laos.

Além disso, em se falando de produtos e componentes de alta tecnologia, a própria China importa de países como Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul e Singapura. Da mesma forma, estúdios de design italianos, espanhóis e holandeses regularmente prestam serviço a fabricantes do “Dragão”. Também tive casos em que desenvolver fornecedores de produtos de baixo valor agregado foi mais interessante aqui nos vizinhos Argentina e Paraguai, do que na econômica China. Ou seja: nem sempre a Ásia é o melhor lugar para comprar seus produtos. As vezes a solução está bem mais perto do que se imagina!

A outra metade da história encontramos aqui em casa mesmo. Há muito o Brasil deixou de ser o “Celeiro do Mundo”, apesar de ainda contar com uma indústria diversificada e relativamente desenvolvida. O excesso de regulamentação, alta carga tributária e trabalhista, monopólios, e os custos “dobrados” com que convivemos (como educação, segurança, saúde e logística; que apesar de já bancarmos em forma de tributos, temos que contratar de forma privada para os receber com algo parecido com qualidade), impactam diretamente no poder de compra, e consequentemente na competitividade de nossos produtos.

Dessa forma, temos que:

  1. Quanto maior o valor agregado dos produtos, maior tende ser a economia ao importa-lo, frente à produção nacional, pela ausência de nosso custo tributário em cascata;
  2. Da mesma forma, quanto maior a quantidade de “horas-homem”, ou processos de manufatura, maior tende a ser a economia, pela diferença de encargos trabalhistas;
  3. Também quanto mais “padrão” o produto, com o mínimo de adaptações necessárias, maior será a economia, por conta da escala de produção (os chineses sabem calcular MUITO bem o custo da “não-produção” atrelada à ociosidade decorrida do setup de máquinas).

Por outro lado, características que localmente não costumamos levar em conta, também influenciam o custo dos produtos importados:

  1. PADRÕES TÉCNICOS SINGULARES: a indústria brasileira trabalha com sua meia-dúzia de padrões técnicos, já conhecidos por todos, pelos quais todo o mercado se orienta. Esses nem sempre estão alinhados com os padrões internacionais, e a necessidade de ajustes pode deixar o produto importado muito mais caro. Cito como exemplos:
    1. Nossos motores elétricos industriais de carcaças padrão norte-americano com bobinagem europeia, frequência elétrica 60Hz (o padrão no mundo é 50Hz), e eficiência mínima acima das exigências globais;
    2. Nossas tomadas elétricas tipo “N”, que pouco se usa mundo afora;
    3. Nossas exigências de segurança incomuns para todo tipo de produtos, desde brinquedos até maquinário pesado.
  2. ESCALA: lembro de uma negociação em que orgulhosamente apresentei a quantidade pretendida relativamente alta para determinado componente, indicando ainda que poderia colocar pedidos trimestrais para maximizar o volume cada pedido, e baixar o preço, no qual ouvi a resposta que a quantidade MENSAL que estava barganhando era produzida DIARIAMENTE pelo fornecedor. Ou seja: nossa percepção de escala de produção está muito aquém daquele mercado.
  3. CUSTOMIZAÇÃO: é comum vermos produtos importados, principalmente os “Made in China”, cuja única diferença entre um fornecedor e outro é a marca da estampa. O que aqui no Brasil consideramos quase como plágio, lá fora é comum devido aos projetos desenvolvidos por centros de excelência em desenvolvimento tecnológico, e vendidos para empresas que não possuem um departamento de desenvolvimento de produto ou design próprios. Por conta disso, se quisermos dar uma “cara” diferente a nosso produto, muitas vezes será mais barato fazê-lo localmente (dependendo, é claro, da necessidade de ferramental). É comum que importar o “miolo” de um produto, e fabricar nossa própria “carcaça” seja a melhor opção.
  4. DISTRIBUIDORES: existe uma pletora de produtos, componentes e insumos comprados de distribuidores locais, que na realidade já são importados. Então importar diretamente de um fabricante internacional pode baratear o processo, por isenção de bitributação e re-faturamento, além de não atrapalhar em absolutamente nada a indústria nacional. É claro que o custo de capital no fluxo de caixa deve ser levado em conta, visto que, via de regra, as importações necessitam de pagamento antecipado (o que pode ser atenuado com o uso de linhas de crédito como o FINIMP), da mesma forma que o risco atrelado à flutuação do dólar pode ser atenuada com uma “trava cambial” (contratos de dólar futuro).

Outros detalhes a levar em conta são:

  1. CONFIABILIDADE DO FORNECEDOR: principalmente no tocante à constância da estabilidade dos produtos, no atendimento às exigências contratualizadas (tanto em termos de características do produto, quanto embalagens, entregas e documentação), assistência técnica pós-vendas, e investimento no negócio – seja em termos de simplesmente tomar o devido cuidado para que a operação saia conforme o esperado, até investimentos em feiras e promoção de seus produtos junto aos importadores.
  2. PERIODICIDADE DE COMPRAS: os custos bancários, logísticos e aduaneiros atrelados ao processo podem impactar grandemente no custo do produto final, de forma que uma programação trimestral em um container FCL pode ser muito mais barata que uma mensal LCL, mesmo levando em conta o custo de capital no fluxo de caixa.
  3. ESPAÇO DE “AR” QUE O PRODUTO DEMANDA DENTRO DO CONTAINER: Produtos com grandes “caixas” (como geladeiras, por exemplo, fogões, ou móveis montados) demandarão um custo logístico maior, pois haverá uma perda grande de espaço de frete.
  4. CLASSIFICAÇÃO FISCAL: via de regra, a carga tributária de produtos prontos é maior do que a de componentes, de forma que uma simples adequação no modelo de negócio pode salvar quantias relevantes no processo de importação.
  5. NEGOCIAÇÃO DE FRETE, E LOCAL DE DESPACHO: normalmente os custos de zonas primarias são muito superiores aos de zonas secundárias, como EADIs. Atrelado a isso, o custo de deslocamento e/ou contratação do despachante local pode influenciar grandemente no custo do processo. Regularmente negociamos fretes com DTA embutido, o que torna o processo muito mais eficiente, otimizando os custos.

OK. Bem, até agora falamos de aspectos gerais a respeito de compras internacionais. É importante balizar esses detalhes, para que todos entendam a relevância da diferença entre “COMPRAR” de um fabricante estrangeiro e “DESENVOLVER” uma cadeia de global de valor. 

Como pudemos ver, é fundamental olhar o negócio como um todo, e não focar apenas em poucos aspectos da operação, imaginando que o restante se ajustará sozinho. Usei diversas vezes a expressão “relativamente”, pois a atratividade de um negócio, produto ou fornecedor depende muito do momento e realidade de cada empresa. Não existem valores e posições absolutas no mundo – tudo sempre será relativo aos concorrentes, ao mercado, ao momento econômico e ao posicionamento da empresa. Mas talvez o mais importante aspecto de um desenvolvimento internacional seja o passo-a-passo de homologação dos fornecedores e produtos. E é principalmente nesse aspecto que todo cuidado deve ser tomado.

Imaginem que, em conformidade com a Teoria de Vantagens Comparativas de David Ricardo, várias empresas em vários países fabricam os mesmos produtos em graus diferentes de qualidade, quantidade, detalhes técnicos, desenhos e competitividade relativa. A pergunta é: qual o melhor fornecedor para você, nesse momento? 

Obviamente não existe uma única resposta, visto que ela mudará de uma empresa para outra ao longo do tempo e do espaço. Mas para decidir qual será o parceiro que nos permitirá o tão almejado aumento de competitividade, iniciamos pelos aspectos a serem verificados:

  1. Quantos e quais são os fornecedores em potencial identificados através das pesquisas efetuadas (quaisquer que tenham sido os muitos e variados métodos utilizados)?
  2. Qual sua localização geográfica e a rota de envios? Facilidade de transporte está diretamente ligada ao custo logístico.
  3. Qual o nível de dificuldade de comunicação e compreensão? Qual o nível de acessibilidade e boa vontade para ajustar o produto, quantidades e o modelo de negócio? Esse posicionamento terá consequências diretas no serviço pós-vendas.
  4. Para definir quais os fornecedores que efetivamente entrarão no páreo, é imprescindível conhecer sua estrutura física, histórico, pontuação junto a agências de classificação de risco, e confiabilidade geral.
    1. O ideal seria visitar pessoalmente as instalações de cada empresa, e conversar pessoalmente com seus representantes. Isso pode ser programado para coincidir com feiras do setor, a fim de maximizar o aproveitamento do tempo e investimento da empreitada.
    2. Na falta de orçamento para viagens de desenvolvimento de fornecedores, uma boa opção é contratar uma empresa de vistoria de qualidade para descobrir os “esqueletos no armário”, e cruzar as referências de várias fontes.
  5. Definidas as empresas, parte-se para a negociação comercial. A fim de evitar ser pego de surpresa por uma “laranja de amostra”, é importante detalhar antecipadamente todos os aspectos da operação, desde os detalhes técnicos do produto, embalagem, programação, envios e pagamentos. É muito comum ouvir empresas reclamando que os produtos vieram diferentes do que se pediu, mas em grande parte dos casos, a verdade é que o cliente simplesmente não falou para o fornecedor o que ele precisava. Na falta de uma definição específica, o fabricante enviará o que é padrão PARA ELE, o que pode ser BEM diferente do padrão esperado pelo cliente. Lembre-se que um fornecedor global está trabalhando com vários países com padrões técnicos diferentes. Se o cliente não disser especificamente o que precisa, será muito difícil o fornecedor adivinhar isso sozinho. Por exemplo: como é que uma fábrica de utensílios domésticos saberá que os cabos de força devem ser tipo ”N” certificados pelo Inmetro, ou que os motores devem ser 60Hz, se ninguém falar pra ele?
  6. Definidos os detalhes do produto, inicia-se pedindo amostras para testes de laboratório. Essa é uma etapa importante, para nos certificarmos que os detalhes técnicos e de embalagem estão sendo observados.
  7. O próximo passo é um pequeno pedido-teste, para verificar o funcionamento dos produtos em campo.
  8. Após, um “primeiro” pedido, um pouco maior (as quantidades devem ser definidas pela empresa, de acordo com seus próprios critérios). É comum os fornecedores reclamarem desses passos, visto que os preços passados são para as quantidades de programação regulares, mas pessoalmente não tive grandes problemas em explicar a necessidade dessas etapas preliminares.
  9. Homologado o produto e o processo em laboratório e no campo, pode-se partir para uma programação. Minha sugestão, contudo, é sempre investir em uma inspeção pré-embarque, e atrelar a maior parte do pagamento à aprovação desta.

O mundo é grande, incrível, e cheio de belezas! Mas também está recheado de perigos, caso o explorador não esteja bem preparado para o que pode encontrar pela frente. Nem todas as pessoas são confiáveis, e nem tudo que brilha é ouro. Um mínimo de cuidado pode prevenir uma grande dor de cabeça, e é nesse preceito que baseamos nosso trabalho. Nós não “compramos” produtos de fabricantes estrangeiros, mas “desenvolvemos” cadeias de valor globais com parceiros confiáveis, de interesse mútuo no crescimento da operação. Assim como é importante conhecer nossa própria operação para definir os detalhes de um produto/componente/insumo a ser importado, tão importante quanto é conhecer os detalhes de uma operação de fornecimento internacional, a fim de que ela venha a agregar valor real à sua empresa, e não somente uma diminuição de custo pontual, que pode vir a gerar problemas gigantes.

Conte com a UNO MUNDO para gerenciar seu desenvolvimento de fornecedores. Esse é o nosso negócio!