Continuando as escalas em preparação para nossa volta ao mundo em 80 artigos, chegamos ao terminal que provoca as discussões mais estimulantes nas classes que leciono: a “cultura”.
Antes de mais nada, contudo, devemos definir esse que é um dos pináculos do estudo da Antropologia, e que forma a base de todo e qualquer povo. Paul Claval define cultura como “o conjunto complexo dos códigos e padrões que permeiam e regulam a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em uma sociedade ou grupo específico, e que se manifestam em todos os aspectos da vida”.
Tarefa muito mais complexa do que uma definição acadêmica, contudo, é entender as diferentes nuanças de cada cultura distinta, e, mais importante, como devemos nos relacionar com elas. Quem já visitou outro país e se deparou com situações de choque cultural entenderá a que me refiro. Se nosso modo de vida é diferente de nossos vizinhos de cidade e estado, o que dizer de povos em países do outro lado do globo ?!
Nenhuma receita de bolo aqui. E como se não bastassem as dificuldades de entender as linhas de raciocínio de outros povos, existe ainda a crescente “americanização do mundo” provocada pela globalização financeira e pelo advento da internet, conforme defendida por Eric Schlosser. Qual a profundidade da influência norte-americana sobre a vida de outros povos, e que alterações essa provocará em seus aspectos comportamentais? A rede de nós a serem desatados a fim de entender esse turbilhão chamado cultura cresce exponencialmente.
Os erros mais comuns em termos de sensibilização cultural são a estereotipia e a caricatura de outros povos. Somos 6,4 bilhões de pessoas (em uma taxa crescente de umas 2 pessoas por segundo), distribuídas em uns 200 países ao redor da mesma esfera espacial – e nenhum de nós é igual ao próximo. Um exercício rápido: Responda à pergunta “o que define o povo brasileiro?”. Você provavelmente pensará em pobreza, carnaval, futebol… A visão que se iniciou com a promoção do país pela Embratur na década de 60, e é reforçada ainda hoje. Agora responda: Você se encaixa nessa definição? Aí está. Não conseguimos nem nos definir como brasileiros! Como esperamos definir povos que nem conhecemos?
Existe, contudo, uma caixa de ferramentas para definir os principais aspectos das culturas estrangeiras. Dentre essas, citamos os principais pontos a serem analisados (todos muito subjetivos):
- Níveis de cosmopolitismo e heterogeneidade da população
- Níveis de extroversão e/ou introversão da população em geral
- Noções de tempo e espaço;
- Relação entre poupança e natureza (aplica-se aqui a Teoria dos Climas, de Montesquieu);
- Religiosidade e sua influência no cotidiano
- Senso de humor e distância de poder
- Visão de presente, passado e futuro; e Nacionalismo
Todos esses itens, contudo, somente quando avaliados em conjunto, promoverão Padrões de Previsibilidade Comportamental que nos possibilitarão ter idéia do que esperar de nossos anfitriões ou hóspedes. Dentre esses, destacamos:
- Atenção e importância ao respeito pessoal e à autoridade
- Níveis de identificação pessoal, empatia e proximidade emocional
- Valores sociais e sintonia
- Língua
- Tradições e Costumes
É imprescindível, para a empresa que deseja internacionalizar-se, entender e respeitar a cultura de seus clientes e parceiros, a fim de maximizar as possibilidades de sucesso do negócio. Um simples gesto, como saber que no oriente deve-se receber um cartão com ambas as mão, lê-lo com atenção e deixá-lo sobre a mesa durante a reunião pode não mudar o curso de uma negociação, mas certamente será bem visto por seus clientes. Ah, falando nisso, “obrigado”, em chinês, pronuncia-se “siê siê”. Nos próximos artigos abordaremos cada país e suas idiossincrasias separadamente.
Fernando Dourado Filho considera que o Brasil melhorou muito nos últimos anos sob os mais variados ângulos. Constata, porém, que nossa competitividade exportadora encolheu tremendamente e, mais grave ainda, não tem figurado na agenda de preocupações de Brasília, indício candente de nossa introspecção e abulia.
Samuel Huntington atropela a noção de Estado-Nação e define a história como uma guerra sucessiva de blocos civilizacionais. Cita as civilizações ocidental, muçulmana, budista, hindu, chinesa, japonesa, cristã-ortodoxa, latino-americana e africana. Vez por outra, da mesma forma com que o desencontro das placas tectônicas provoca terremotos, as civilizações entram em choque e acontecem as guerras. Esperamos que possa ser superada o que dessa noção se aplica a nossos negócios internacionais. Quem sabe uma nova geração de traders multiculturais, de cabeça efetivamente internacional, não possa aportar ao mundo uma efetiva mensagem de que, contrariamente aos vaticínios que emanam do próprio poder executivo, já não somos mais uns caipiras globais, perdidos na selva da economia globalizada?